“Queremos voltar às escolas de forma segura, gradativa, com protocolos claros, e após a vacinação de todos os trabalhadores em educação, prevista no plano nacional de imunização”
Artigo por Valéria Morato, presidenta do Sinpro Minas e da CTB-MG
A reabertura das escolas públicas e privadas em diversos municípios de Minas Gerais acontece no pior momento da pandemia de Covid-19 no Brasil. Abril registrou mais de 70 mil mortes, recorde para um mês; o coronavírus já matou mais brasileiros nos quatro primeiros meses de 2021 do que em todo o ano passado. Em geral, as taxas de ocupação de UTIS, de enfermarias e de contaminação continuam alarmantes, muito acima do recomendado por organizações como a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e a Organização Mundial de Saúde.
De acordo com a Fiocruz, as medidas de flexibilização adotadas podem reverter rapidamente a lenta tendência de queda dos números da pandemia no país, “fazer retomar ritmos acelerados de transmissão e, portanto, de casos graves de Covid-19 nas próximas semanas”, assinala boletim científico divulgado pela instituição neste mês de abril. Apesar das recomendações veementes, prefeitos de todo o estado de Minas têm promovido a reabertura das redes municipais de ensino de forma precipitada, colocando em risco milhares de cidadãos.
Em Belo Horizonte, a reabertura das escolas de educação infantil revelou que o prefeito Alexandre Kalil sucumbiu à pressão de interesses políticos e econômicos. Tornou-se público que a decisão aconteceu à revelia dos médicos sanitaristas do comitê de enfrentamento à Covid-19 da capital. A medida recolocou em circulação – e em risco – cerca de cem mil pessoas, entre alunos, pais e responsáveis, prestadores de serviço, professores e demais trabalhadores da educação das redes pública e privada.
Impulsionado pelo negacionismo do presidente da República e de diversos governadores, entre eles o de Minas, Romeu Zema, o vírus viajou, proliferou, e suas mutações criaram uma “nova pandemia”, na definição do médico epidemiologista Unaí Tupinambás, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Para ele, todos agora são vulneráveis e não há mais um “endereçamento” a determinados grupos, como no início da crise sanitária.
A disseminação de novas cepas do vírus provocou uma explosão de casos de contaminação entre pessoas de 30 a 50 anos, faixa etária em que se encontra a maioria da população economicamente ativa, incluindo aí os trabalhadores em educação, além do aumento gradativo de contaminações em adolescentes e crianças. Em função deste quadro, os professores desestimulam os pais a enviarem seus filhos para creches e escolas. “Quem tem condição, que fique em casa. Nosso ambiente externo não é ideal. Não temos cenário epidemiológico para voltar”, é a voz corrente.
Outra pesquisa da UFMG, divulgada recentemente nos jornais O Tempo e Estado de Minas, revela que a contaminação de crianças de 6 a 14 anos é altíssima. Um aluno infectado tem potencial para contaminar outros 60 do seu círculo familiar. Já uma criança de até 5 anos pode contaminar até dez pessoas. O coordenador da pesquisa, professor Sílvio Salej, alerta: sem teste, as escolas são potenciais locais de surtos. A retomada das aulas será “um tiro no escuro” caso não seja realizada a testagem de alunos, funcionários e professores com frequência.
Os dados e opiniões científicas não deixam dúvidas sobre os riscos que a reabertura das escolas traz para a vida de milhares de pessoas, expostas desnecessariamente. No caso da educação infantil, é praticamente impossível cumprir protocolos que assegurem o distanciamento de crianças de até 5 anos, que além de imaturas, requerem naturais cuidados higiênicos e afetivos de professores e familiares. Cientes desta vulnerabilidade, muitos estabelecimentos privados estão exigindo que os pais assinem termos de responsabilidade.
A própria Prefeitura de Belo Horizonte utilizou este argumento em ação que derrubou a tentativa de retomada das aulas presenciais pelo setor privado. “A transmissibilidade do vírus não escolhe quem vai infectar e esse cenário de diversas crianças aglomeradas em estabelecimentos educacionais e sem maturidade emocional para entender o que é isolamento social podem colocar em risco a bem sucedida política pública do Município, que, baseada em estudos científicos, vem conseguido conter o avanço da pandemia na capital mineira”, aponta trecho da ação movida pelo município em setembro de 2020.
Outra alegação muito utilizada para a reabertura imediata das escolas, principalmente no caso do ensino público, é a vulnerabilidade de grande parte da população. Sem dúvida, os graves problemas estruturais do nosso país foram agravados pela pandemia, e só serão resolvidos com políticas públicas integradas de proteção social e econômica, investimentos contínuos na infraestrutura das escolas e valorização profissional dos trabalhadores da educação.
Neste sentido, é preciso reconhecer boas iniciativas de administrações estaduais e municipais que criaram auxílios emergenciais próprios para complementar e/ou substituir o auxílio emergencial do governo federal. Belo Horizonte, por exemplo, distribui cestas básicas para 270 mil famílias desde março de 2020. Infelizmente, a flexibilização pode jogar fora todo este esforço.
Sabemos também que a pressão para a reabertura do comércio e das escolas ganhou escala nacional. O consórcio político e econômico que reúne o mercado privado de ensino, ultraliberais e obscurantistas já produziu uma aberração política aprovada pelo Congresso, o Projeto de Lei 5595/20, que proíbe a suspensão de aulas durante pandemias e calamidades públicas. Em Belo Horizonte, este campo político é formado, predominantemente, por vereadores da bancada “cristã”.
O fato é que os setores empresariais penalizados pela pandemia não tiveram coragem ou força para enfrentar Bolsonaro e Paulo Guedes, que se omitiram na missão constitucional de proteger a vida da população e da economia nacional. Mas não se importaram em colocar mais famílias em risco.
Aqui em Minas Gerais, o Sinpro (Sindicato dos Professores do setor privado) recebe diariamente denúncias de professores submetidos a diversas formas de assédio por donos de escolas. A pressão é feita também por meio de ataques organizados nas redes sociais, carregados de ódio. Vale lembrar que os professores das escolas particulares de todo estado estão trabalhando remotamente, submetidos a jornadas exaustivas, desde o primeiro semestre de 2020.
Nós resistiremos a quaisquer medidas impositivas que coloquem em risco desnecessariamente a vida da população, dos trabalhadores da educação e dos professores do setor privado, categoria que representamos. Queremos voltar às escolas. De forma segura, gradativa, com protocolos claros, e após a vacinação de todos os trabalhadores em educação, prevista no plano nacional de imunização. Nosso parâmetro, desde o início desta guerra, é a defesa de protocolos que preservem o distanciamento social, interrompam o ciclo de contaminação e preservem a vida das pessoas.
Foto: Pexels/Alexandra_Koch
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