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Menos de 13% da população carcerária tem acesso à educação

27 de julho de 2017

Em vez de política de Estado, educação prisional é tratada como programa eventual de governo. Faltam espaço e material pedagógico adequado, e os professores, temporários, não recebem treinamento

Dos mais de 700 mil presos em todo o país, 8% são analfabetos, 70% não chegaram a concluir o ensino fundamental e 92% não concluíram o ensino médio. Não chega a 1% os que ingressam ou tenham um diploma do ensino superior. Apesar do perfil marcado pela baixa escolaridade, diretamente associada à exclusão social, nem 13% deles têm acesso a atividades educativas nas prisões.

O quadro reflete a omissão do poder público em conflito com a legislação nacional e internacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei nº 9.394/1996), que regulamenta a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 208, inciso I, estabelece que toda a população brasileira tem direito ao ensino fundamental obrigatório e gratuito, sendo assegurada, inclusive, sua oferta para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria.

E a Lei de Execução Penal (nº 7.210/1984) prevê a educação escolar no sistema prisional. Em seu artigo 17, estabelece que a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso. O artigo 18 determina que o ensino fundamental é obrigatório e integrado ao sistema escolar da unidade federativa. E o artigo 21 exige a implementação de uma biblioteca por unidade prisional, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.

No plano internacional, o documento Regras mínimas para o tratamento de reclusos, aprovado pelo conselho econômico e social da ONU, em 1957, prevê o acesso à educação de pessoas encarceradas.

“A educação do preso é um direito. Não tem mais o que se discutir sobre isso. No entanto, é tratada como um privilégio, por meio de projetos, e não como parte de uma política púbica de educação”, afirma o professor do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da USP e do Programa de Pós-Graduação em Educação da USP, Roberto da Silva.

E se as escolas em geral estão sucateadas pelo descompromisso histórico com o ensino, no interior dos presídios a situação não teria como ser melhor. Em São Paulo, estado mais rico da federação e com a maior população carcerária, faltam espaços apropriados para os estudos e materiais pedagógicos específicos para as necessidades dos alunos em privação de liberdade. E os professores, temporários, não têm formação específica.

Segundo o professor da USP, as prisões brasileiras não foram concebidas enquanto unidades educacionais. Nesses mais de 1.800 “depósitos de gente” construídos no Brasil não há instalações adequadas para sala de aulas. “Há casos isolados, como um presídio em Florianoópolis (SC), que tem uma escola dentro, mas naquele modelo antigo, dos anos 1920. As plantas mais recentes, que são maioria, não foram concebidas para essas instalações.”

O Departamento Penitenciário Nacional, vinculado ao Ministério da Justiça, tem oferecido a alguns estados a possibilidade de construir salas modulares, multiuso, que poderiam abrigar oficinas, atividades artísticas e culturais e também sala de aula. Mas mesmo assim, conforme o professor, são poucas as unidades prisionais com espaço para montar essas salas modulares. A alternativa em estudo por lá é a educação à distancia com recursos tecnológicos que não violem a segurança das unidades prisionais. Seria a forma mais rápida de aumentar a taxa de escolarização.

Revista do Brasil – Distância do crime. Boas experiências socioeducativas

Despreparo

Estado mais rico da federação e com maior população carcerária, São Paulo descumpre a lei também quanto à oferta de professores de seus quadros para o ensino aos presos. No modelo que é seguido pelos demais, coloca à disposição educadores que não pertencem ao quadro estável do magistério estadual. Além disso, suas secretarias de Educação e da Administração Penitenciária não oferecem capacitação docente, como deveria ser.

Para preencher essa lacuna, o professor criou na Faculdade de Educação da USP o primeiro curso de formação, no formato de extensão universitária, voltado a profissionais que lecionam em presídios e para menores internos em unidades de medidas socioeducativas. O programa, gratuito, já está com inscrições abertas. As aulas serão ministradas aos sábados, com início em 5 de agosto e término no começo de dezembro.

Segundo Roberto da Silva, é necessário apressar, dentro da carreira do magistério, a criação de uma especialidade para esses professores, assim como há professores de libras, de educação especial. “É preciso ser criada uma carreira dentro do magistério para esses professores, que também devem receber uma formação específica, e abrir concursos para eles. Essa é a maneira de efetivação, valorização e também pensar a médio e longo prazo a formação específica que eles precisam.”

Ele tem restrições também ao modelo de educação de jovens e adultos adotado, considerado insuficiente para estudantes presos. “É preciso uma modelação própria em função das características das pessoas, do ambiente, das condições de confinamento que essas pessoas vivem. Em geral acabam sendo classes multisseriadas, que juntam pessoas com idades diferentes, com tempos diferentes de escolaridade, e o professor tem de dar conta de trabalhar todos esses conteúdos simultaneamente”, aponta.

“Além disso, em algumas circunstâncias os professores dão aulas para os alunos separados por uma grade. E não existe material didático pedagógico próprio. Usa-se o material do ensino regular.”

Apesar das dificuldades, a maioria dos professores que vão lecionar em presídios por falta de opção acaba gostando e se sente gratificado em poder contribuir para a retomada do processo educativo de uma população que, por não ter se sentido acolhida pelo sistema educacional, rompeu com a escola na adolescência, antes de cometer os primeiros delitos e ser encarcerada.

“Muitos se sentem mais gratificados dando aulas para pessoas em privação de liberdade do que para alunos de ensino médio noturno em uma periferia de São Paulo”, diz Roberto.

Concorrência desleal

Os presos que querem estudar enfrentam ainda a concorrência desleal do trabalho, que é obrigatório e oferece remuneração. Embora as duas atividades ofereçam remissão da pena, o trabalho é mais incentivado pelos diretores dos presídios. “Um presídio na região da USP, por exemplo, tem 1.200 mulheres, das quais apenas 90 estavam matriculadas em um curso que fizemos por que eram incentivadas a seguir para programas de trabalho. Em vez de incluir outras, ociosas, eles preferem incluir essas com mais disposição para estudo e trabalho, que têm os documentos em ordem, do que as 1.100 que não estavam fazendo nada.”

O especialista aventa outra possível explicação para a opção dos diretores: o receio de, caso todos os presidiários quiserem estudar e o estado não conseguir atender, a Justiça ter de libertá-los para estudar lá fora. “Que situação teríamos no sistema carcerário se de repente todos os presos quisessem estudar?”, questiona.

Apesar das dificuldades, muitos desses estudantes percebem a educação na perspectiva de futuro, de uma vida melhor, e conseguem eliminar todas as disciplinas e levar o curso até o final, obtendo certificação.

“É preciso superar esse numero absurdo de 13% de escolarização. Não se justifica pessoas entrarem e saírem analfabetas depois de 10, 20 anos dentro de um presídio. Depois de erradicar o analfabetismo, que deve ser prioridade no sistema penitenciário, é necessário permitir a conclusão do ensino fundamental de nove anos. Sem isso é difícil pensar na perspectiva de educação profissional do preso, porque a oferta de cursos técnicos seria justificável para aqueles que estão no ensino médio, que corresponde a 8%”, defende.

Roberto da Silva, que viveu durante 14 anos em diferentes unidades da antiga Febem e outros sete anos na Casa de Detenção antes de se formar pedagogo pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e fazer mestrado e doutorado pela USP, defende o enfrentamento ao preconceito de governos e da sociedade conservadora em relação à educação prisional.

“Muitos pensam que se já faltam recursos para a escola, não há razões para se gastar com alunos presos. Mas o fato é que não se coloca dinheiro novo, não se gasta. Apenas se estende a essa população uma política que já é universal, um direito de todos os brasileiros. É direito do preso e dever do estado. Aqui fora já superamos a questão quantitativa da educação, incluindo todo na educação básica. Se discute agora a qualidade. Mas dentro da prisão, nem à solução do aspecto quantitativo nós chegamos.”

Medidas socioeducativas

A situação do ensino oferecido nos presídios não diferente daquela destinada a menores em cumprimento de medidas socioeducativas. Consultor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial no Estado de São Paulo (Apeoesp) e coordenador pedagógico da Fundação Casa, vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo de 2001 a 2015, Márcio Alexandre Masella, conta que faltam espaços adequados na instituição e que os professores são temporários. Os efetivos não podem lecionar nessas unidades porque não há jornada.

“Já atribuí muitas aulas para professores na Fundação. São professores que não têm formação específica e nem outra escolha. E mesmo assim, têm de apresentar um projeto de trabalho, com proposta pedagógica diferenciada” explica o educador, que estudou a inclusão do menor infrator na educação.

Segundo ele, a exemplo da Fundação Casa, o modelo adotado em outras instituições reflete a despreocupação dos governos com investimento. “A partir do momento em que contrata temporariamente para trabalhar no sistema socioeducativa, fica claro o sucateamento. Para trabalhar em um órgão desse tipo teria de haver uma formação especifica, o que não é oferecido para esses profissionais”.

Fonte: Rede Brasil Atual

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