Notícias

Taxa de homicídios na América Latina é maior em todo o mundo

11 de julho de 2019

Especialistas apontam desigualdade social, racismo e crime organizado como responsáveis por alta letalidade

A América Central e América do Sul são as regiões mais violentas e lideram o número de homicídios no mundo. O dado é do relatório global sobre homicídios do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), da Organização das Nações Unidas (ONU).

O documento, divulgado esta semana, estima que 464 mil pessoas foram vítimas de homicídios intencionais em 2017 em todo o mundo. Os territórios americanos mantiveram altos índices, mas a tendência global das últimas três décadas é a diminuição das taxas de homicídio, segundo o relatório.

Enquanto a média global é de 6,1 homicídios a cada 100 mil habitantes, a América Central e a América do Sul têm 25,9 e 24,2 a cada 100 mil pessoas, respectivamente. Nas Américas, que concentram 37% dos homicídios, as principais causas de morte estão relacionadas ao uso de armas de fogo.

O segundo continente mais violento é a África, que concentra 35% dos assassinatos. A taxa de homicídios na África (13,0) é menor que nas Américas (17,2) – embora o estudo da ONU pondere que a falta de dados consistentes em vários países africanos compromete a análise.

Análise

Embora o estudo mostre que o número de homicídios aumentou de quase 400 mil em 1992 para mais de 460 mil em 2017, o relatório explica que a taxa global real caiu (de 7,2 em 1992 para 6,1 em 2017) quando levado em conta o crescimento populacional.

Professor de Direito Internacional e integrante do Núcleo de Estudos para a Paz da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Gustavo Oliveira Vieira afirma que há um conjunto de fatores que explicam esse fenômeno na região. “Crime organizado com desigualdade social é um tempero que acaba fomentando a violência”, resume.

“O que a gente pode concluir é que existe uma disfuncionalidade institucional e histórica que acontece para termos um dado que é cinco vezes mais que a média mundial de homicídios intencionais”, pontua Vieira. “Parte disso é a necessidade de desenhos, de políticas públicas específicas”.

O professor também atribui os altos índices de homicídios à ineficiência da justiça criminal e à baixa taxa de resoluções sobre os crimes. “Tem estados que chegam a ter apenas 4% de homicídios em que se consegue identificar a autoria”, lembra. Essa fragilidade, segundo o especialista, transmite uma sensação de que quem mata pode ficar impune.

A advogada Dina Alves, do departamento de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), concorda: “A justiça criminal é um elemento importante de produção de violência”, diz. “Tem uma ineficiência da Justiça, até porque, quando a gente pensa no encarceramento, a maioria da população não está presa porque cometeu algum tipo de homicídio, mas por conta da guerra às drogas”, completa.

Alves afirma que é importante levar em conta o recorte racial dos dados quando se analisa a realidade latino-americana e brasileira. “Nas nações fundadas na escravidão como Brasil, Bolívia, México e nações da América Central, um elemento fundante que pode nos dar respostas é o racismo e a violência contra grupos historicamente discriminados, como a população negra e indígena”, finaliza.

Cenário brasileiro

Com 30,5 homicídios a cada 100 mil habitantes, o Brasil tem a segunda maior taxa de homicídios da América do Sul, atrás apenas da Venezuela. O relatório aponta um “aumento dramático” de 350% do número de homicídios no país vizinho, que passou de 13 para 56,8 homicídios a cada 100 mil habitantes.

O relatório chama atenção para certas disparidades. Em números absolutos, o país africano Nigéria e o Brasil, que respondem por cerca de 5% da população global, concentram cerca de 28% dos homicídios no mundo. Mesmo com a maior população entre os continentes, a Ásia aparece em terceiro lugar no ranking dos continentes mais violentos em números absolutos, concentrando 23% dos casos.

Outro alerta do relatório é o alto número de homicídios cometidos por policiais no Brasil na comparação com outros países das Américas. Em 2015, a polícia no Brasil assassinou 1.599 pessoas – em El Salvador, um dos países mais perigosos da América Central, foram 218; nos Estados Unidos, 442; na Jamaica, 90. No mesmo ano, 80 policiais foram mortos no Brasil, contra 33 em El Salvador, 41 nos Estados Unidos e oito na Jamaica.

Alves pondera que os dados de violência policial no país são subnotificados e que em 90% dos casos são abertos inquéritos inconclusivos. Para a advogada, o poder público não tem dado respostas adequadas à alta letalidade. Ela pontua que o principal projeto do ministro da Justiça, Sérgio Moro, para a segurança pública, o pacote “anticrime”, pode aumentar ainda mais a violência no país.

Moro apresentou a proposta em fevereiro. O projeto, que foi fatiado em três para tramitar no Congresso Nacional, altera 14 leis, incluindo o Código Penal, a Lei de Execução Penal, a Lei de Crimes Hediondos e o Código Eleitoral.

O pacote prevê a redução da condenação ou a não aplicação dela quando agentes de segurança agem em legítima defesa, além de mudar a definição de organização criminosa.

“O Brasil está criando programas para acelerar a violência”, diz a advogada. “O pacote ‘anticrime’ dá carta branca para que a polícia mate. O alargamento da hipótese de legítima defesa para que o policial seja perdoado ou tenha sua pena diminuída é uma autorização para matar”.

A proposta também determinava a execução da pena após o julgamento em segunda instância, mas esse ponto foi retirado nesta terça-feira (9) pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o pacote apresentado pelo ministro.

Em fevereiro, entidades e organizações do movimento negro brasileiro protocolaram uma denúncia contra o projeto na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA). No documento, os movimentos denunciam diversos pontos que tendem a prejudicar diretamente a realidade da população negra.

Outras estatísticas

O crime organizado foi responsável por 19% de todos os homicídios e “causou muito mais mortes em todo o mundo do que conflitos armados e terrorismo, combinados”, pontua o relatório. A partir de uma análise de gênero, constatou-se que meninos e homens entre 15 e 29 anos são os que mais correm risco de homicídio globalmente. Mas o documento também alerta que, embora mulheres e meninas representam uma porcentagem menor de vítimas em relação aos homens, elas continuam lidando com os homicídios cometidos por parceiros íntimos ou por familiares. Mais de nove a cada dez suspeitos em casos de homicídio são homens.

Fonte: Brasil de Fato – Rute Pina
Edição: Daniel Giovanaz

COMENTÁRIO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Categorias

Artigo
Ciência
COVID-19
Cultura
Direitos
Educação
Entrevista
Eventos
Geral
Mundo
Opinião
Política
Programa Extra-Classe
Publicações
Rádio Sinpro Minas
Saúde
Sinpro em Movimento
Trabalho

Regionais

Barbacena
Betim
Cataguases
Coronel Fabriciano
Divinópolis
Governador Valadares
Montes Claros
Paracatu
Patos de Minas
Poços de Caldas
Pouso Alegre
Sete Lagoas
Uberaba
Uberlândia
Varginha