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20 de novembro: Dia da Consciência Negra

20 de novembro de 2008

 

Em plena ditadura militar, um pequeno grupo de cidadãos negros costumava se reunir no centro de Porto Alegre para discutir a situação dos descendentes de africanos no Brasil. Nessas conversas, eles concluíram que o 13 de maio – Dia da Abolição da Escravatura, assinada pela princesa Isabel em 1888 – não tinha maior significado. Era preciso, então, encontrar uma nova data para reverenciar a luta da população negra brasileira e enaltecer sua participação na sociedade. Nascia, assim, o 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra – data de evocar a figura de Zumbi e o quilombo de Palmares e de discutir a situação do negro no país.

Entre os participantes do grupo estava o poeta, professor de português e militante da causa negra Oliveira Silveira. Foi ele quem sugeriu que o 20 de novembro – data da morte de Zumbi do Palmares – fosse adotado como dia de celebração da luta da comunidade negra brasileira. Sete anos depois, o Movimento Negro Unificado contra Discriminação Racial (MNUDR) oficializou o 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra.

Ex-integrante do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Oliveira Silveira já publicou vários livros. Também é autor do capítulo 20 de novembro, história e conteúdo, do livro Educação e Ações Afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça social, organizado pelos professores Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Roberto Silvério, da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo.

Nesta semana, Oliveira Silveira conversou por telefone, de Porto Alegre, com a Agência Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista na qual ele relembra como surgiu o 20 de novembro, avalia a atuação do movimento negro brasileiro, condena a miscigenação e adverte: “O racismo não desaparece. Pode até se aquietar, mas sempre está vivo e atuante.”

Agência Brasil: Por que o movimento negro gaúcho resolveu buscar uma nova data para reverenciar a luta dos negros contra o regime escravagista, em substituição ao 13 de maio?Oliveira Silveira: Isso ocorreu em 1971. Estávamos insatisfeitos com o 13 de maio. Havia um grupo de negros que se reunia na Rua da Praia [no centro de Porto Alegre] e o nosso assunto, invariavelmente, era a questão negra e o fato de o 13 de maio não ter maior significação para nós. Logo, surgiu a idéia de que era preciso encontrar outra data. Eu, como gostava de pesquisar, aprofundei-me nisso. E encontrei material, cuja fonte era Édison Carneiro, autor do livro O Quilombo dos Palmares, indicando que Zumbi dos Palmares havia sido morto em 20 de novembro [de 1695]. Essa informação foi confirmada no livro As guerras dos Palmares, do português Ernesto Ennes, no qual foram transcritos documentos. Já que não sabíamos o dia de seu nascimento ou do início de Palmares, tínhamos pelo menos a data da morte de Zumbi, o último rei do quilombo de Palmares, Alagoas. Então, promovemos uma reunião, que originou o Grupo Cultural Palmares, cuja idéia era fazer um trabalho para reverenciar Palmares e Zumbi como algo mais representativo que 13 de maio.

ABr: Qual a crítica que vocês faziam e ainda fazem ao 13 de maio?Oliveira: Nós vimos logo que o 13 de maio teve conseqüências práticas. Não havia medidas efetivas voltadas à comunidade negra. Foi uma liberdade que apareceu apenas na lei e nada de concreto ocorreu depois. Ao mesmo tempo, era uma data oficial, que o oficialismo governamental queria que fosse comemorada, celebrada, com homenagens à princesa Isabel. Ao passo que Palmares significava uma liberdade conquistada na luta, que durou um século inteiro, e, por isso, era plena de significado. Os homens e mulheres quilombolas fizeram um trabalho de resistência, de afirmação da dignidade humana sem precedentes, de luta pela defesa da liberdade. Então, não havia dúvidas de que aquela era a principal passagem da história do negro no Brasil.

ABr: Quando foi realizado o primeiro ato para reverenciar Zumbi e Palmares?Oliveira: Como o Grupo Palmares havia se disposto a trabalhar a partir de datas e já estávamos em julho de 1971, resolvemos homenagear primeiro o poeta e abolicionista Luiz Gama, que morreu em 24 de agosto, e mais adiante, em outubro, homenageamos o nascimento do poeta e abolicionista José do Patrocínio. Em novembro, fizemos a homenagem a Palmares. À época, o Grupo Palmares tinha quatro pessoas e depois entraram mais duas mulheres. Por isso, consideramos que o grupo fundador foi formado por seis pessoas, que fizeram esse trabalho em 1971, quando homenageamos Luiz Gama, Patrocínio e Zumbi e Palmares. O Grupo Palmares realizou, então, no Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, o primeiro ato evocativo a Zumbi e a Palmares. Foi o início de um trabalho que teve continuidade ao longo dos anos.

ABr: Quando o restante do país começou a reverenciar o 20 de novembro?Oliveira: Inicialmente foi só o Rio Grande do Sul, mas graças à divulgação, com o apoio da imprensa, a data foi se tornando conhecida. Em 1975 e 1976, São Paulo, com grupos de teatro de Campinas e da capital paulista, e o Rio de Janeiro começaram a celebrar o 20 de novembro. De modo que foi se implantando o 20 de novembro no país. Até que em 1978 surgiu a idéia de formar o coletivo de organizações negras denominado MNUDR – Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial. Foi a tentativa de uma organização que reunia algumas entidades, entre as quais algumas já celebravam o 20 de novembro. No final de 1978, numa assembléia na Bahia, foi proposta a denominação de Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro. Foi uma idéia feliz de Paulo Roberto dos Santos, um militante do Rio de Janeiro. Então, aquilo fez com que o 20 de novembro se consolidasse [como data de celebração a Zumbi e a Palmares e de afirmação da comunidade negra brasileira], mas foi um trabalho contínuo do Grupo Palmares. Foi também o coroamento de um trabalho realizado no Rio Grande do Sul pelo Grupo Palmares e que se tornou importante, porque foi adotado pelo movimento negro em nível nacional.

ABr: O que representou o resgate da figura de Zumbi e do quilombo de Palmares na luta do negro em busca da cidadania plena e de sua auto-estima?Oliveira: Foi extremamente significativo, porque o 20 de novembro se mostrou como algo com uma força aglutinadora muito grande. Com isso, muitos grupos se formaram e muitas atividades passaram a ser desenvolvidas. Em São Paulo, por exemplo, criou-se o Festival Comunitário Negro Zumbi, que promovia atividades em cidades do interior. Foi uma motivação muito positiva, especialmente pela mensagem, uma coisa mais afirmativa do que o 13 de maio.

ABr: Como o senhor explica que o resgate histórico de Zumbi e do quilombo dos Palmares tenha começado justamente num estado de maioria branca, como o Rio Grande do Sul, com forte presença de imigrantes de origem européia?Oliveira: Parece até algo meio milagroso que o segmento negro tenha resistido nos estados do Sul. Antes, a Região Sul era considerada essa parte que vai do Rio Grande do Sul a São Paulo. E foi onde a imigração se localizou preponderantemente. Então, houve uma política voltada para essa região. Foi a política do branqueamento, que trouxe imigrantes e deixou de lado e de fora o indígena e o negro, a partir do século 17. Essa política poderia ter eliminado o segmento negro, mas ele resistiu. Eu considero que os imigrantes vieram como convidados e também interessados. Tiveram depois grande participação, grandes oportunidades e apoio logístico, inclusive de seus países. De modo que eles se desenvolveram muito aqui. Eles não podem ser isentados de culpa ou qualquer coisa nesse gênero, porque, na verdade, são beneficiários da nossa exclusão, da tentativa de exclusão de negros e indígenas.

ABr: Como o senhor avalia a atuação do movimento negro hoje e a inserção do negro na sociedade brasileira?Oliveira: Foi um processo. O movimento foi se desenvolvendo. Vieram novas fases. Tivemos aquela primeira fase, de 1971 a 1978, que eu chamo de virada histórica. Depois, uma fase de surgimento de organizações e de aproximação com o poder, com o governo e a participação na [Assembléia] Constituinte de 1988. A partir da nova Constituição, temos uma nova fase, na qual o movimento tem uma linha mais prática. Já temos experimentações muito importantes, com participação no governo. Temos a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial [Sepir] e a Fundação Palmares. São instâncias que nos permitem uma experiência muito válida. Então, o movimento avança. E, com a política de cotas nas universidades, estamos dando passos importantes e necessários.

ABr: O Brasil se intitula como a maior democracia racial do mundo. Como o senhor analisa isso?Oliveira: A democracia racial é um mito trabalhado especialmente em função dessa política de branqueamento, que nunca foi revogada. A miscigenação é apresentada como uma coisa positiva, mas, na verdade, não é. No Brasil, existe preconceito, discriminação na prática, existe racismo. É um país reconhecidamente racista. Isso é oficialmente reconhecido. Eu acredito que o racismo não é uma coisa que desapareça, que possa ser eliminado. Ele pode se aquietar, mas lá pelas tantas está vivo, forte e atuante.

Por: João Carlos Rodrigues Repórter da Agência Brasil

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