Anúncio, feito pelo governo nesta semana, torna obrigatória a presença de alunos nas escolas a partir de quarta (3)
Preocupado com a falta de investimento em higiene nas escolas, mas feliz em poder “voltar a viver”. É assim que Kaique Maciel Fernandes, estudante do ensino médio, da cidade de Uberlândia (MG), descreve a ansiedade com o retorno às aulas presenciais. “Me preocupo como vamos resolver esse problema, porque o governo não investe nas escolas como deveria. Mas, como disse, é viver de novo”, pontuou o jovem.
Na última sexta (22), o governo de Minas Gerais anunciou que, a partir do dia 3 de novembro, o retorno presencial às escolas das redes pública e privada não será mais facultativo. Desde o dia 5 de julho, professores e estudantes já haviam retomado atividades presenciais de forma híbrida, ou seja, uma semana em casa e outra na escola. Nesse modelo, a presença dos estudantes nas aulas presenciais não era obrigatória.
Para a professora de língua portuguesa Andréia Vieira, o ensino híbrido estava confuso, cansativo e pouco produtivo. “Não foi um bom período, porque toda semana de aula presencial parecia que era a primeira semana do ano, já que as turmas eram divididas em muitos grupos e sempre tínhamos que recomeçar do zero”, avalia.
Em dúvida, Andreia se pergunta se o melhor momento para retornar às aulas presenciais e obrigatórias é agora, embora a pandemia esteja em um momento mais controlado. “Vejo mais como uma tentativa do governo de dizer que em Minas as aulas foram retomadas em 2021. Não acho que será produtivo, porque é pouco tempo para recuperar o conteúdo perdido, serão pouquíssimas aulas até o fim do ano”, declara.
Jussara Lacerda de Oliveira, que é professora de filosofia de uma escola em Belo Horizonte, também compreende os limites do ensino híbrido e a necessidade de uma retomada dos estudantes às escolas para melhorar o desempenho. No entanto, ela também se questiona. “Obrigar o comparecimento dos alunos no quarto bimestre não faz sentido. A maioria já tem carga horária e nota para serem aprovados. Vão ser reprovados caso faltem?”, questiona.
Por todas essas questões, para as professoras, a comunidade escolar está dividida em relação a volta às aulas obrigatórias. Há muitos estudantes e profissionais da educação que estão ansiosos para rever os colegas, interagir com as pessoas e, como disse Kaique, voltar à vida normal.
No entanto, há aqueles preocupados com a condição sanitária e com o fato de muitos estudantes terem começado a trabalhar, inclusive para complementar a renda familiar, frente à grave crise econômica em que passa o país.
Para a secretária de Estado de Educação, Júlia Sant’Anna, a possibilidade de retorno de todos os alunos às salas, é consequência de um trabalho que vem sendo realizado desde junho. Ela se refere à retomada das aulas em formato híbrido na rede estadual de ensino, que foi realizada de forma “segura e consciente”. Isso, somado à melhora dos índices epidemiológicos e à vacinação dos profissionais da educação e dos adolescentes traz, para a secretária, “muita tranquilidade de dar esse novo passo”.
“Entendemos que a volta de todos os alunos para as escolas é fundamental para o fortalecimento do processo de aprendizagem e do vínculo com a escola, atuando de forma ainda mais efetiva para reduzir as defasagens no ensino e a evasão escolar dos nossos estudantes”, afirma Júlia. Em junho deste ano, o governo estadual divulgou que investiu mais de R$ 97 milhões em obras em 361 escolas.
Com base em dados do Censo Escolar, pesquisa de 2018, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) mostrou em um estudo que, dentre as 5 mil escolas estaduais de Minas, mais de 900 não possuíam refeitório para alimentação, mais de mil escolas não possuem banheiro para funcionários e mais de 900 não tinham pátio externo.
Dificuldades com o ensino remoto
Kaique sempre foi estudante de ensino público e empenhado na construção de projetos para melhorar a escola. Mesmo com a dificuldade de conciliar a rotina de estudos e o trabalho, se sente animado com o ambiente escolar. “A minha rotina era muito cheia e isso me deixava animado, sabe? Fazer as coisas e ver os resultados é muito inspirador. Eu também trabalhava meio período e confesso que conciliar tudo era meio caótico, mas ir à escola me dava uma animada”, enfatizou.
Falta de computador em casa, celular de baixa qualidade e falta de espaço adequado para estudar foram algumas das dificuldades enfrentadas pelo estudante com o fechamento das escolas e com o surgimento do Ensino Remoto Emergencial, devido à pandemia da covid-19. Para Kaique, o novo modelo impactou diretamente seu desempenho escolar e contribuiu para que o jovem desenvolvesse quadros de sofrimento mental.
“Tentava, mas parecia que só dava errado. Chegou ao final do ano de 2020 e eu fiquei de recuperação em matérias que, antes do ensino remoto, eu era muito bom. Posso dizer que minha rotina de ensino remoto me deixou muito desestabilizado, desenvolvi uma ansiedade generalizada e depressão também. Claro que não foi só culpa do ensino remoto, porém foi um grande fator”, relata.
A professora de filosofia Jussara acredita que a maior dificuldade do ensino remoto é estar longe da realidade dos estudantes, como a de Kaique. “Nossa maior dificuldade foi conseguir buscar estratégias para atender os alunos em suas especificidades. Por exemplo, além do aplicativo do governo, eu disponibilizei e-mail, dei aula no Google Meet e criei um WhatsApp só para os alunos, mas, mesmo assim, alguns nunca conversaram comigo e só entregaram as atividades na escola”, aponta.
Protocolos
A resolução do governo estadual, publicada no dia 25 de outubro, lista os protocolos de prevenção à covid-19 que devem ser seguidos pela comunidade escolar. O artigo quinto do documento, por exemplo, aponta que a retomada integral das atividades escolares presenciais deve monitorar o risco de propagação do vírus, a gestão da escola deve comunicar casos suspeitos e confirmados, e adotar medidas de contingenciamento quando for o caso.
A normativa também define que o retorno não será obrigatório para estudantes comprovadamente pertencente a um grupo de risco da doença e que, aqueles que manifestarem sintomas em sala de aula, devem ser afastados do restante do grupo.
Em relação às avaliações e o aproveitamento das atividades desenvolvidas durante o ensino híbrido, a resolução aponta que a realização e devolução dos Planos de Estudos Tutorados (PET) e atividades complementares seguem sendo obrigatórias a todos os estudantes.
Ainda sobre o acompanhamento do desempenho escolar, a normativa determina que é de responsabilidade do gestor escolar e do especialista da educação básica supervisionar e validar as atividades pedagógicas presenciais e não presenciais e a participação dos estudantes até o encerramento do ano letivo.
Quanto à lotação das salas de aulas, de acordo com o documento, fica a cargo das unidades escolares observarem a capacidade de acordo com o protocolo sanitário vigente.
O documento assinala que os alunos devem permanecer na mesma sala de aula durante todo o tempo e que é de responsabilidade do professor se deslocar entre as salas de aula.
O protocolo sanitário também orienta que estudantes e professores higienizem as mãos após a ida ao banheiro, antes de entrar na sala de aula, antes de comer e depois de assoar o nariz, tossir ou espirrar.
O limite entre o que se diz e o que se faz
Apesar da publicação da resolução, professores apontam que há pouca informação direcionada à categoria sobre como se dará o retorno obrigatório. “Estamos todos muito angustiados, pois recebemos a notícia do novo protocolo pelos canais da Secretaria de Estado de Educação, mas não tivemos, de fato, nenhuma explicação de como vai ser”, declarou Jussara.
A professora também se preocupa com a quantidade de alunos em sala de aula, uma vez que não foi estabelecido pela resolução a lotação máxima permitida. “Temos em média 40 alunos por turma, e dar aula normal para uma turma lotada já é um desafio, com máscara e os protocolos de segurança eu não sei como será possível”, aponta.
Processo de retorno está acelerado e sem transição
Para Paulo Grossi, diretor estadual da região de Viçosa e Ponte Nova do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (SindUTE-MG), o retorno nos moldes em que vem sendo construído vai contra as próprias diretrizes do governo, que adotou a estratégia de retorno gradual e de maneira híbrida. Apesar de não ser contrário às aulas presenciais, Paulo acredita que isso deve ser feito com mais planejamento, diálogo com a comunidade escolar e com um plano de transição.
“O processo está acelerado e queimou etapas importantes para que houvesse uma transição gradual e segura para o retorno presencial às escolas. Acredito que, com a imunização avançando, o retorno pode acontecer de maneira mais segura, mas é preciso que a gente tenha mais tempo de transição”, aponta. O calendário de vacinação na região, segundo Paulo, para os jovens de até 12 anos ainda não foi cumprido.
É preciso cuidado para não repetir os mesmos erros
A presidenta do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG), entidade que representa professores da rede privada, Valéria Morato, compartilha a experiência da rede e enfatiza a necessidade de seguir as medidas sanitárias.
O setor teve o retorno presencial no mês de abril deste ano. “Naquele momento, tivemos muitos problemas de contaminação, de insegurança e inclusive de superlotação. Fizemos várias denúncias à vigilância sanitária e, só partir disso, foram feitas adequações”, declarou a sindicalista.
Com o avanço da vacinação, Valéria acredita que o cenário atual é melhor do que no início do ano. Porém, ela aponta para a necessidade de continuar os cuidados para evitar a circulação do vírus. “Hoje, a abertura ampliada não impacta tanto o setor privado, porque a cobertura vacinal já avançou bastante, incluindo os adolescentes. O que não podemos é deixar de aplicar os protocolos sanitários. Nesta semana mesmo, BH já teve um aumento no número de contaminações, retornando à onda amarela”, pontuou.
Fonte: Brasil de Fato / Foto: Marco Evangelista / Imprensa MG
Entidade filiada ao
O Sinpro Minas mantém um plantão de diretores/funcionários para prestar esclarecimentos ao professores sobre os seus direitos, orientá-los e receber denúncias de más condições de trabalho e de descumprimento da legislação trabalhista ou de Convenção Coletiva de Trabalho (CCT).
O plantāo funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.
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