Entregadores de aplicativo relatam cotidiano de medo diante da epidemia de coronavírus no Brasil
As 14 horas diárias dedicadas ao trabalho já não são capazes de trazer garantias ao jovem Lucas Lira, de 24 anos. Desde que o coronavírus chegou ao Brasil, no fim de fevereiro, e ganhou escalada, sobretudo em São Paulo, ele viu diminuir radicalmente os trabalhos de entregador e motorista que presta via plataformas como Uber, 99 e Mercado Livre.
Lucas aderiu aos aplicativos há seis meses como forma de driblar o desemprego, garantir renda e o apoio à mãe, aposentada, com quem mora junto na Vila Medeiros, zona norte da cidade de São Paulo. Em dias comuns, sua rotina começa por volta das 4h da manhã, já que das 6h às 10, seu tempo é dedicado às demandas de entrega pela cidade. No restante do dia, das 11h às 21, Lucas atua como motorista pelas plataformas. O esforço garante ao jovem um rendimento médio de 3,5 a 4 mil reais por mês.
O valor só é alcançado porque Lucas faz, diariamente, cerca de 12 entregas e até 30 viagens. Agora, o que resta são incertezas. “Tenho ficado muito tempo parado na rua esperando trabalho e feito, no máximo, umas seis entregas e seis viagens”, conta. Em uma semana comum de trabalho, os ganhos de Lucas, geralmente, superam os mil reais. Até a última quinta-feira 19, dia em que CartaCapital conversou com ele, seus ganhos acumulados na semana eram de 350 reais. De lá para cá, só podem ter minguado.
O jovem está ciente da principal recomendação feita pelas organizações de saúde: para que as pessoas fiquem em casa [até o domingo 22, o País tinha 1546 casos confirmados, e 25 mortes ao todo]. Mas não vê alternativas já que, em um contexto de informalidade, não tem nenhum subsídio e depende unicamente de sua força de trabalho para garantir algum orçamento.
“Estou com muito medo de trabalhar, de que alguém me passe a doença e eu contamine a minha mãe. Mas, o que eu posso fazer?”, questiona. Outra preocupação de Lucas, no momento, é ter como pagar a parcela semanal do carro alugado com o qual trabalha, de 437,24 reais. “Ou é isso, ou a locadora pode tomar o carro e eu perder minha fonte de trabalho”, pontua o jovem.
“Tenho tomado meus cuidados, não ligo mais o ar-condicionado do carro, passo sempre álcool gel e, a cada passageiro que desembarca, encosto o carro para limpar as superfícies que ele encostou”, explica. As preces da mãe também são bem-vindas. “Todo dia ela reza quando eu saio e pede para que nada me aconteça.”
A estratégia do técnico de som Luiz Carlos Marcelino, 38 anos, foi diminuir uma hora das quatro que dedica à função de entregador pelas ruas da cidade de São Paulo, via Uber Eats. Mas ele não sabe se conseguirá manter a estratégia, diante à queda nos pedidos. “Se continuar assim, provável que eu tenha que dedicar mais tempo na rua”, diz.
Ele conta que, em uma de suas entregas na semana passada, tomou um choque em relação ao coronavírus. “Fui fazer uma entrega e, via aplicativo, a pessoa me escreveu que estava com o vírus, que eu deveria deixar a entrega na portaria, para que não tivéssemos nenhum contato”, conta. Para Luiz, parar também não é uma opção. “A recomendação é pra todo mundo, mas sabemos que na prática, não se aplica. As classes baixas movimentam o País, continuaremos expostos.”
O que dizem as empresas?
CartaCapital perguntou às empresas IFood, Uber Eats e Rappi se há mudanças previstas na dinâmica de trabalho, no contexto do coronavírus, ou ainda se estão previstos algum tipo de subsídio aos trabalhadores em caso de contaminação. A Uber Eats não respondeu a reportagem até o fechamento.
iFood
A startup de entregas disse que decidiu criar um fundo solidário no valor de 1 milhão de reais para dar suporte aos entregadores parceiros que necessitem permanecer em quarentena. Em nota, a empresa disse que os detalhes sobre o fundo solidário serão definidos e anunciados em breve e reforçou que o canal de contato entre os entregadores e a plataforma é via chat do app. Além disso, citou o envio de materiais educacionais aos entregadores, e ampliação das ações de prevenção e educação, com apoio do Ministério da Saúde, consultorias especializadas e hospitais. Também orienta que o pagamento dos pedidos seja feito por aplicativo e o delivery sem contato com os entregadores.
Rappi
A empresa afirma que também adotou medidas de prevenção. Além de manter comunicação ativa com os colaboradores, a Rappi disponibiliza uma opção de entrega em domicílio sem contato físico. Via chat é possível indicar ao entregador que deixe o pedido na porta e se afaste por 2 metros, para evitar proximidade. A empresa afirma que tem incentivado os pagamentos via aplicativo e disponibilizado álcool gel aos entregadores. Sobre possíveis casos de contaminação, a Rappi diz no aplicativo do entregador há um botão específico para que ele notifique a empresa caso tenha sintomas e/ou teste positivo para o coronavírus. Para os casos de quarentena, a empresa afirma dispor de um fundo para apoio nos 14 dias em que precisarão ficar afastados.
Fonte: Carta Capital
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