por Eduardo Maretti, da RBA
Na rápida entrevista coletiva dada pelos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro na Casa Branca, durante visita oficial, no início da tarde de hoje (19), o norte-americano disse que “Brasil e Estados Unidos nunca foram tão próximos quanto agora”. Ele acrescentou que houve hostilidade de outros governos brasileiros aos Estados Unidos, sem explicitar quais, e, sobre a Venezuela, que “todas as opções estão na mesa”. O colega brasileiro aproveitou para dizer sobre sua “satisfação” de estar em solo estadunidense “depois de algumas décadas de presidentes antiamericanos”. Bolsonaro acrescentou: “Temos muita coisa a oferecer um ao outro para o bem dos nossos povos. Ele quer uma América grande e eu também quero um Brasil grande.”
Para o diplomata Celso Amorim, a afirmativa de Bolsonaro, de que sucede uma série de ex-presidentes antiamericanos, é “conceitualmente uma bobagem”. Tendo ocupado cargos de embaixador no governo de Fernando Henrique Cardoso e de ministro de Itamar Franco, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ele destaca que em nenhum desses momentos houve “antiamericanismo” dos governos brasileiros.
“O que existe são disputas naturais. Tem que reconhecer as diferenças, até para se poder lidar com elas. A não ser que um dos países resolva abrir mão de todos os seus interesses. Está parecendo que é essa a direção que se está tomando”, diz. “O Brasil evoluiu de um processo em que tinha uma certa independência, claro que com limitações, para, no governo Temer, uma certa subalternidade estratégica implícita, e agora para uma situação de submissão explícita.”
A questão do chamado antiamericanismo de governos brasileiros anteriores foi muito difundida pela grande mídia, diz. Para ele, a discordância brasileira dos Estados Unidos, sobretudo em assuntos econômicos em que os interesses da imprensa estavam envolvidos de uma forma ou de outra, provocava esse tipo de avaliação.
“Mas é evidente que não era antiamericanismo”, diz. Ele lembra de períodos como no governo José Sarney, quando houve uma disputa sobre informática com os EUA, ou as tentativas posteriores dos norte-americanos esvaziarem o Mercosul, com o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), recusado pela maioria dos governos latino-americanos, assim como as diferenças sobre a atitude americana no Iraque.
“Essas diferenças se mantiveram no governo Lula, mas nada disso impediu o diálogo. Lula esteve com George W. Bush em Camp David por cinco horas. Não vejo essa hostilidade de modo nenhum nos governos anteriores. Bush veio ao Brasil e colocou o capacete da Petrobras quando ela não estava sendo privatizada”, lembra. “O próprio Bush, uma vez, se dirigindo a Lula, disse que temos nossas diferenças, mas trataríamos daquilo que nos aproxima.”
Embora seja tachado por setores conservadores, pejorativamente, como “petista”, Amorim foi embaixador de Fernando Henrique Cardoso em três postos importantes: nas Nações Unidas, em organismos internacionais em Genebra (com destaque para a Organização Mundial do Comércio) e embaixador em Londres. “Nem sempre eu estava em concordância com tudo. O Brasil tinha posição contrária ao uso da força no Iraque e tive apoio do governo Fernando Henrique. Isso não quer dizer que não houvesse diálogo.”
Amorim destaca ainda, como preocupações, as questões de Alcântara, da Venezuela e da fala de Trump segundo o qual ele tem a intenção de designar o Brasil como um aliado extra-Otan, “ou talvez um aliado da Otan” – em referência a aliados estratégicos que não são membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte, mas têm relações com as Forças Armadas dos Estados Unidos.
“Isso nos causaria um problema internacional. O Brasil sempre foi membro dos grupos de não-alinhados na Conferência do Desarmamento, que presidi duas vezes. O Brasil era visto como um país não alinhado. Se é um aliado extra-Otan, já não é não-alinhado. A Argentina ficou nessa posição. Tinha um programa espacial importante, mais avançado que o brasileiro, que acabou. Isso beneficia as exportações americanas, mais do que o interesse brasileiro.”
Com a ressalva de que não leu o tratado que permite aos Estados Unidos atuarem em Alcântara, Amorim acredita que os interesses deles estão “disfarçados com linguagem”. Por exemplo, os americanos não dirão que brasileiro não pode entrar em Alcântara, o que seria ofensivo à soberania nacional, mas poderão condicionar a presença de qualquer um a uma credencial de segurança. Como os os Estados Unidos terão poder de veto, hipoteticamente, um engenheiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais pode ser vetado se for considerado capaz de apreender a tecnologia deles.
“Não se pode basear um programa espacial, assim como nas áreas nuclear e cibernética, no fato de alugar serviços. Isso não existe. A China não fez isso, a Rússia, a Índia, obviamente os Estados Unidos não fizeram isso, ou a França, só para falar de países que têm programa espacial. Soberania é uma coisa que custa caro.” Ele lembra que tal tratado terá que ir ao Congresso .“Não tenho confiança no nacionalismo desse Congresso, mas pelo menos vai permitir uma discussão pública maior.”
Sobre a Venezuela, diante da frase de Trump na coletiva, de que “todas as opções estão na mesa”, Amorim reafirma a posição de que há motivo para preocupações. “Se você combina a frase do Trump com a frase da véspera de Bolsonaro, de que confiamos na capacidade bélica dos Estados Unidos, é pra ficar muito preocupado.”
“Sabemos que nossos militares têm agido com bom senso nesse aspecto, mas às vezes há um limite a partir do qual não se pode mais controlar. Fico muito preocupado, acho que o problema na Venezuela só se resolve com diálogo. Juan Guaidó é um títere, não simboliza nada. Não tem legitimidade nem como líder da oposição, diferente de (Henrique) Capriles e outros”, diz o ex-ministro.
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