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Celulares nas escolas: o que dizem especialistas sobre a proibição anunciada pelo MEC

25 de outubro de 2024

A proibição de celulares nas salas de aula deve ser levada para discussão no Congresso neste mês de outubro pelo Ministério da Educação, via projeto de lei. A pasta trabalha na finalização do texto que prevê banir o uso dos dispositivos por estudante de escolas públicas e privadas.

O projeto se apoia em recomendações de organizações que têm se preocupado com o uso excessivo de telas. Em julho, a Unesco pediu o banimento dos celulares nas escolas em todo o mundo, já que o uso desenfreado dos aparelhos tem prejudicado a aprendizagem dos estudantes. O órgão pediu que países considerem, cuidadosamente, o uso dos smartphones nas escolas e reforçou que, no âmbito da tecnologia na educação, deve prevalecer uma ‘visão centrada no ser humano’.

Embora esteja só agora sendo pautado pelo Executivo, o tema há anos circula no Congresso. Desde 2015, tramita na Câmara dos Deputados, um projeto de autoria do deputado Alceu Moreira (PMDB/RS) que visa proibir o uso dos aparelhos nas salas de aula não só da educação básica, como do ensino superior, exceto em atividades pedagógicas. O PL recebeu parecer favorável na Comissão de Educação, mas a Comissão de Constituição e Justiça ainda não se manifestou.

O ministro Camilo Santana tem dado indícios de que o MEC também deve salvaguardar o uso pedagógico dos aparelhos nas escolas. Ainda está em discussão para quais faixas etárias a proibição será aplicada, embora Camilo tenha destacado que o impacto negativo parece ser maior entre os alunos do ensino fundamental.

Ainda assim, outras questões sensíveis devem vir à baila com a proposta. A adesão é uma delas, tanto pelos estados e municípios, a quem caberia formular suas leis específicas, como das próprias escolas. De acordo com a pesquisa TIC Educação 2023, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, 20 estados já possuem leis similares, mas apenas 12% de suas escolas declararam adotar a medida de fato. Também será preciso definir como se dará a fiscalização da medida e se ela atenderá às necessidades das famílias e dos estudantes.

O educador e cientista político, Daniel Cara, não tem dúvidas de que o uso excessivo dos celulares prejudica a aprendizagem, mas vê dificuldades práticas para a implementação. Uma delas, de ordem estrutural. “Você não pode deixar os celulares guardados na secretaria da escola, porque isso vai gerar uma enorme atração patrimonial para assaltos. Vamos imaginar uma escola de ensino fundamental de 200 alunos, considerada pequena, se cada aluno tiver um aparelho, estamos falando de, no mínimo, 200 mil reais de patrimônio, não é tão simples assim”, adverte o pesquisador.

Prevendo segurança aos ambientes escolares, Cara defende que os alunos não possam entrar com o celular dentro das unidades, mas ainda assim vê desafios. “Como fazer esse controle? Vão pedir para os alunos abrirem as mochilas para provar que não estão com os aparelhos?”, questiona o educador, que entende que a norma deve ser negociada sobretudo com os estudantes dos anos finais do Fundamental II e Ensino Médio. “É uma medida que traz um impacto grande na identidade dos jovens, então isso vai ter de ser negociado com conscientização e não coerção”, defendeu.

A proibição também deve prever casos específicos, como os de estudantes com deficiência; e pode ainda esbarrar no desejo das famílias de manterem contato com os filhos ao longo do período escolar, demanda ainda mais premente diante os casos de ataque às escolas. “O primeiro pai que entrar com uma ação na Justiça vai ganhar “,acrescenta o educador. “O Estado não pode interferir nisso, entende? Juridicamente, a medida é frágil”.

Cara, avalia, no entanto, que seria muito mais produtivo por parte do Ministério da Educação conduzir um trabalho de longo prazo para uso dos celulares e tecnologias nas escolas associada à educação digital, no âmbito da Política Nacional de Educação Digital instituída no ano passado. De modo geral, a política prevê a inserção da educação digital nos ambientes escolares em todos os níveis e modalidades, a partir do estímulo ao letramento digital e informacional e à aprendizagem de computação, de programação, de robótica e de outras competências digitais.

Para a diretora-executiva do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), Julia Sant’Anna, não há incoerência entre uma eventual proibição do uso dos celulares em sala de aula e as políticas de conexão às escolas já anunciadas pelo MEC.

“Não vejo como um retrocesso”, destacou, diferenciando os celulares dos dispositivos cedidos pelo Estado para uso escolar, como computadores e tablets. “Não estamos falando de todo e qualquer dispositivo de tecnologia, mas de um dispositivo pessoal de uso individual.”

“Países já desenvolvidos, e com o tema da tecnologia educacional mais avançado, regulamentam o uso do celular nas escolas”, acrescentou, destacando a fragilidade estrutural brasileira neste sentido. “Temos mais de 138 mil escolas públicas no País, é importante uma norma nacional – que permita algum grau de flexibilidade, mas que nos dê diretrizes.”

Desde março, um grupo de trabalho do governo – composto por sete ministérios e 19 representantes da sociedade civil, academia e entidades – atua na elaboração de um guia para o de telas e dispositivos digitais por crianças e adolescentes. A expectativa é a de que o material seja lançado até o final do ano.

‘O uso das tecnologias precisa ganhar dimensão curricular’
A professora Débora Garofalo, especialista em tecnologia e inovação, concorda que é preciso repensar o uso do celular em sala de aula, mas defende que a discussão se dê a partir do currículo escolar.

“Eu sinto falta que essa discussão seja feita a partir da perspectiva curricular, de maneira transversal, já que temos inclusive a BNCC da Computação, que diz de habilidades e competências que precisamos trabalhar com esses estudantes a partir da tecnologia”, aponta. Para a educadora, o uso dos dispositivos, sob mediação pedagógica, deve ser levado em conta sobretudo levando em conta o cenário de escassez de recursos nas escolas do País.

Foi exatamente a proposta feita por ela em 2019, quando lecionava na Escola Municipal de Ensino Fundamental Almirante Ary Parreiras, em uma comunidade da zona sul de São Paulo. O entorno da escola sofria com problemas de descarte irregular de lixo, e a educadora propôs um projeto de intervenção para que os estudantes pudessem sensibilizar para o problema local. O celular, garante, foi essencial como ferramenta pedagógica.

“A escola tinha problemas de infraestrutura e conectividade. O celular me permitiu, por exemplo, fazer aulas públicas com os estudantes, para que a gente fosse a campo reconhecer a questão do lixo, e registrá-la via um mural de fotos. Eles já conviviam com o problema, mas começaram a olhá-lo de uma outra maneira, entendendo que eles poderiam ser agentes de transformação daquela realidade”, relembrou.

Os alunos criaram um plano de ação para recolher peças de sucata e eletrônicos descartados de forma errada e, dentro do projeto, os itens foram associados aos princípios da robótica, dando lugar a protótipos, como máquinas e robôs. Com a iniciativa, a professora foi uma das 10 finalistas da premiação internacional Global Teacher Prize.

Débora defende que a discussão sobre os celulares nas escolas seja feita de forma equilibrada. “A escola é um lugar de experimentação, então a proibição chega com alguma estranheza. Também precisamos, por exemplo, avançar com a regulação das redes sociais e dos jogos, como os de apostas, que têm envolvido cada vez mais as crianças e adolescentes. Precisamos encontrar esse equilíbrio”.

Um quarto dos países do mundo já adota a proibição
O relatório global da Unesco aponta que um em cada quatro países do mundo já adotou leis que proíbem o uso dos celulares nas escolas. A França é a pioneira, com uma medida restritiva adotada desde 2018, pela qual os estudantes não podem usar os aparelhos celulares em nenhum momento nas escolas, nem durante os intervalos. É prevista exceção para casos de alunos com deficiência, que demandam o suporte da tecnologia.

Também anunciaram a proibição países como Espanha, Finlândia, Holanda, Suíça, México e Grécia, onde a medida começou a valer no início deste semestre letivo. Por lá, os alunos podem levar os celulares para as escolas, mas devem mantê-los guardados nas mochilas ao longo de todo o período escolar. A mesma medida é adotada na Dinamarca.

Como funciona no Rio de Janeiro?
Em fevereiro deste ano, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), proibiu, via decreto, o uso dos celulares nas escolas municipais. CartaCapital consultou a secretaria municipal de Educação para entender como a regra funciona na prática.

A pasta informou que a proibição vale para todos os espaços escolares, como salas de aula, pátios, quadras, refeitórios e corredores. Os alunos só são autorizados a usar os aparelhos em atividades solicitadas e dirigidas pelos professores.

São previstas algumas outras situações de exceção: antes do início da primeira aula do dia ou após o fim da última aula do dia, desde que fora das salas de aula; para os alunos com deficiência ou com condições de saúde que necessitam destes dispositivos para monitoramento ou auxílio de sua necessidade; durante os intervalos para os alunos da Educação de Jovens e Adultos; durante os intervalos quando a cidade estiver sob alertas para temporais ou alagamentos, a partir do Estágio Operacional 3, comunicado pelo Centro de Operações Rio;  quando houver autorização expressa da equipe gestora da unidade escolar em casos que ensejem o fechamento ou interrupção temporária das atividades da unidade escolar, de acordo com o protocolo do programa Acesso Mais Seguro – AMS; ou quando houver autorização expressa da equipe gestora da unidade escolar por motivos de força maior.

Ainda de acordo com a gestão municipal, os alunos podem entregar os aparelhos antes do início das aulas para o funcionário da unidade escolar designado para recolher os celulares, ou deixá-los na diretoria ou secretaria.  Em caso de descumprimento da regra, os professores podem advertir o aluno e/ou cercear o uso dos dispositivos eletrônicos em sala de aula, bem como acionar a equipe gestora da unidade escolar.

Fonte: Carta Capital 

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