Distribuição de renda, mercado interno, investimento público e redistribuição da carga tributária são as receitas básicas propostas pela professora Laura Carvalho, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), para um plano efetivo de recuperação do país, constatado o fracasso do chamado “ajuste”. Em debate promovido pelo Centro de Estudos Estratégicos (CEE) da Fundação Oswaldo Cruz, nesta segunda-feira (16), ela afirmou que não há contradição entre superar carências básicas e fazer a economia crescer, em um país onde as desigualdades chegam ao nível da barbárie.
“Nenhum modelo que não parta disso tem condições de prosperar”, disse a economista, empenhada em um plano de “reformismo radical”, de base popular, segundo a sua definição. “Estamos no terceiro ano desde o início do ajuste fiscal, em 2015, e começa a ficar mais clara a ineficácia e a incapacidade desse modelo de gerar crescimento econômico.”
No período imediatamente anterior, com Lula, existiu um cenário externo favorável, mas a economista avalia que o acerto veio da constatação correta de que o mercado interno, a redução de desigualdade, o acesso a serviços públicos e a superação de algumas carências históricas “podem funcionar como um motor de crescimento da economia”. Assim, centrar esforços em um modelo “voltado para fora”, representa um tiro no pé.
O desafio, portanto, é compatibilizar esse modelo de desenvolvimento, ancorado em investimento público e redução de carências, ao lado de uma economia “que também diversificando sua estrutura produtiva e, ao mesmo tempo, criando alguns setores que possam ter potencial exportador”. Laura defende “um grande programa de investimentos públicos atrelado a uma política tecnológica” como solução para curto e longo prazo.
Ela afirma que não é o tamanho do Estado que explica a falta de orçamento para áreas prioritárias, algo que ocorria até mesmo antes da chamada PEC do Teto, que virou a Emenda Constitucional 55. “O problema não é o tamanho, é a distribuição da carga tributária”, diz Laura, defensora de uma reforma que altere “significativamente” essa distribuição, mas que também propicie aumento da arrecadação. A economista é favorável à tributação de dividendos e impostos que atinjam a parcela mais rica da sociedade, com redução progressiva dos impostos cobrados sobre o consumo.
Para a professora, também é preciso reconhecer que parte da sociedade estava insatisfeita com os rumos da economia na gestão Dilma, mas agora percebe que “aquele golpe foi uma falsa solução” para o país. Ela observa que a própria presidenta já fez certa autocrítica em relação a parte das medidas adotadas, como as de transferência de renda para setores empresariais que, posteriormente, não fizeram os investimentos esperados. “São esses setores que depois colocam os patos na Avenida Paulista. Então, esse tipo de base política talvez não nos interesse”, analisa Laura, para quem uma alternativa melhor seria buscar “uma base social, popular, que nos permitiu enfrentar, em outros momentos, outras tentativas de golpe”.
A economista concorda que há “uma ruptura democrática gravíssima” e questiona suas motivações, considerando o perfil conciliador do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Se alguém que concilia gera tanta resistência, imagina se houvesse uma transformação com reforma tributária sobre os mais ricos, uma série de medidas que vão numa linha muito mais radical, com controle de capitais especulativos.”
Mas aqueles que fizeram o golpe também não têm apoio da sociedade, acrescenta a professora. “O crescimento da candidatura Bolsonaro também é uma derrota dessa centro-direita que apoiou o golpe e conquistou o poder imediato”, afirma, pedindo uma saída “que seja abraçada por setores mais amplos dentro da esquerda”, um projeto para o país que seja duradouro e consiga juntar forças durante muito tempo. “A discussão econômica jamais vai se sobrepor à discussão política”, diz a autora do livro Valsa Brasileira – do boom ao caos econômico (editoria Todavia).
O debate foi mediado pelo ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, pesquisador do CEE. Participaram Carlos Gadelha, coordenador de ações de prospecção da Fiocruz e ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o economista Gustavo Noronha, do Incra, e o professor Carlos Eduardo Martins, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Uma dos temas foi a relação entre orçamento e gasto social, remetendo a certa visão liberal de que o bem-estar “não cabe” no PIB. “Eu tenho a visão muito clara de que este ano é decisivo. Como a gente pensa, com esse Congresso que será eleito, na base política de sustentação para retomada da democracia e do bem-estar?”, questionou Gadelha, da Fiocruz. Para Martins, da UFRJ, o orçamento “cabe”, mas “eu tenho dúvidas se a burguesia brasileira e latino-americana cabe na democracia”.
Fonte: Rede Brasil Atual
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