A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a jornada máxima de trabalho de 44 para 36 horas semanais sem redução de salário mobiliza o debate no Brasil e trabalhadores e trabalhadoras vão às ruas contra a escala 6×1, ou seja, 6 dias por semana de trabalho e um de descanso. A Constituição prevê jornada de 8 horas diárias, 44 horas de trabalho semanais, podendo ser estendida por duas horas. O projeto de iniciativa da deputada Erika Hilton (PSOL), tendo por base a mobilização do movimento Vida Além do Trabalho, com apoio de outros parlamentares, em especial da esquerda, muda o 7º artigo da Constituição Federal para que a semana passe a ter 36 horas trabalhadas, ao invés das 44 horas atuais, embora mantenha a possibilidade de negociação coletiva existente na legislação atual. Na PEC, existe menção sobre compensação de horários e escala que pode ser ajustada mediante convenção e acordo coletivo. Dessa forma, as 36 horas semanais propostas serviriam como base para serem distribuídas a partir de acordos entre trabalhadores e trabalhadoras e seus patrões. Algumas categorias têm jornadas especiais de trabalho com 6 horas de trabalho diário, a exemplo da categoria bancária, comerciária e de hotelaria. Ressalta-se que as mulheres são metade ou maioria das pessoas nesses setores de atividade.
A redução da jornada de trabalho tem a ver com melhorar as condições de trabalho e a vida da classe trabalhadora no Brasil. Um projeto nacional de desenvolvimento, no contexto atual, deve apontar para modelos de trabalho mais flexíveis, tendência mundial, e para adaptação às novas realidades do mercado de trabalho que envolve mudanças na visão de produtividade e a relação entre desenvolvimento tecnológico e adequação das forças produtivas, destacando-se a qualificação dos trabalhadores entre outras iniciativas.
A redução da jornada de trabalho interessa em especial às mulheres. No Brasil, as mulheres representam 48,1% da força de trabalho, segundo dados do IBGE do segundo semestre de 2024. Além disso, o percentual de domicílios sob responsabilidade de mulheres cresceu e passou de 36% em 2012 para 50,8 % em 2023, com variações regionais, de acordo com o Dieese (Pnad). Representam 38,1 milhões de famílias. Entre as chefas de família, 34,2% são arranjos familiares com filhos e em destaque estão os 29% de famílias monoparentais (mulher com filhos). No recorte raça/etnia, as mulheres negras lideram 21,5 milhões de lares (56,5%) e as não negras 16,6% milhões de lares (43,5%). A essa realidade da força de trabalho no Brasil se agrega o fato de que as mulheres são maioria das pessoas desempregadas (55,5 %), em subemprego ou desalentadas (que desistiram de procurar emprego), recorrendo ao trabalho informal. Entre as famílias chefiadas por mulheres negras 43,9% estão fora do mercado de trabalho formal e entre os lares chefiados por não negras a percentagem chega a 44,2. Já a taxa geral de desocupação das mulheres negras foi de 13% e de não negras 8,8% mantendo o padrão de que as mulheres negras têm taxa de desemprego maior.
As mulheres enfrentam relevantes desafios no mercado de trabalho. Além da desigualdade salarial, a inserção no trabalho profissional e remunerado tem se dado mantendo as mulheres ainda como as principais responsáveis pelos afazeres domésticos e de cuidados. A divisão de tarefas domésticas permanece desigual. Dados de 2022 do IBGE indicam que no Brasil as mulheres dedicam mais de 20 horas semanais aos afazeres domésticos. E, ainda que considerando diferenças regionais, dedicam 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos e/ou de cuidados com pessoas. E as mulheres ocupadas (denominação do IBGE) dedicam 6,8 horas semanais a mais do que os homens ocupados.
A divisão desigual de trabalho em nossa sociedade faz com que muitas mulheres desistam de procurar emprego ou se direcionem para o subemprego porque não conseguem cumprir a jornada de 8 horas semanais, tendo em conta as responsabilidades com os afazeres domésticos e de cuidados com os filhos, idosos vulneráveis e/ou pessoas doentes. Não é uma escolha, mas uma imposição. Outras mulheres trabalham e são obrigadas a estabelecerem arranjos precários para cuidados com os filhos com apoio de outras mulheres e sofrem uma sobrecarga física e mental cotidiana. Por outro lado, aquelas que conseguem pagar uma creche ou terceirizar os afazeres domésticos, continuam gerenciando de alguma forma os cuidados. A sobrecarga da jornada remunerada e da não remunerada com a preocupação de colocar comida na mesa e pagar as contas da casa e da família que recai sobre a maioria das mulheres, em especial quando são as principais ou únicas provedoras, tem gerado adoecimento mental. No geral, está presente a sobrecarga mental de ter que dar conta de tudo e ser multitarefa porque estão envolvidas questões culturais que reproduzem o papel social que o patriarcado destina as mulheres em nossa sociedade, incluindo a visão sobre a maternidade e a parentalidade.
O fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho foi tema de debates no G20 Social, puxado por entidades sindicais e feministas. A União Brasileira de Mulheres (UBM) chegou a realizar uma reunião com participação de trabalhadoras. O G20 Social antecede a reunião de Cúpula do G20 com a presença de chefes de estado.
A eventual adoção de uma jornada 4×3 pode trazer benefícios para a qualidade de vida das trabalhadoras brasileiras, em especial das mulheres negras, diante do quadro atual do mercado de trabalho no Brasil. Com três dias de folga para cada quatro trabalhados, mulheres teriam mais tempo para descanso, convivência familiar e lazer. O trabalho é parte da vida e uma carga horária bem distribuída pode interferir para maior inserção das mulheres no mercado de trabalho, diminuir o estresse e o cansaço, impactando na saúde emocional e mental, melhorando o bem-estar geral das trabalhadoras e dos trabalhadores.
A redução da jornada de trabalho sem redução de salário em associação com políticas públicas relacionadas à superação da desigualdade de gênero no Brasil, a exemplo da Lei da Igualdade Salarial e Remuneratória, instituída pelo presidente Lula, e da Política Nacional dos Cuidados, de iniciativa do Executivo e em tramitação no Congresso Nacional, são conquistas rumo a uma sociedade com equidade, inclusiva, sustentável e de bem viver.
Julieta Palmeira, médica, assessora de inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep/MCTI), secretária de estado de Politicas para Mulheres da Bahia de 2017 a 2022.
Fonte: Fundação Maurício Grabois
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